Priscila

Priscila

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Edson estava quase chegando ao trabalho quando o celular tocou. Era Leda. Priscila tinha sido internada de urgência com uma dor no abdômen, talvez fosse o caso de operar. Não, não tinha mais detalhes. A que horas podia visitá-la? À tarde, a partir das três horas, das três às cinco.

Priscila era linda, pelo menos era assim que ele a enxergava. Ele a cortejou, ela resistiu. Ele fez de tudo para agradá-la, ela cedeu. No fundo, sempre soube que não era correspondido. Mas a paixão desmedida encontra saídas. Ela o amava, só não sabia disso. Ainda.

Ela levou o namorico até onde pôde. Até que terminou. Disse que precisava ficar sozinha, que precisava se concentrar no trabalho, essas desculpas. Edson entrou em parafuso. Obcecado, passava horas a vigiá-la de dentro do carro, olhando há que horas a luz apagava ou acendia no apartamento. Uma vez passou a noite ali, depois a seguiu de longe até ela entrar no prédio do escritório para começar o dia de trabalho.

Priscila se manteve firme nas negativas de uma volta. Edson, porém, não recuava. Num sábado à noite, sem saber por onde andava a amada, tomou quase uma garrafa de uísque e pensou em se matar. Não teve coragem, seguiu obcecado. Sem concentração no trabalho, sem sentir gosto na comida. Pensava nela vinte e quatro horas porque mesmo quando dormia, sonhava.

Sim, era doentio.

Aquela mensagem, naquele começo de manhã, fez renascer suas esperanças. Naquela novidade via a chance de estar próximo e, enfim, ter Pri, fragilizada, de volta aos seus braços, aos seus beijos, à sua vida.

Mal pôde esperar até a hora da visita.

No quarto do hospital Priscila está com a mãe e não reclama quando vê Edson. Ao vê-la pálida e débil, ele a ama um pouco mais. Os românticos são assim mesmo. Não deixa de notar, porém, que ela parece mais velha que os seus vinte e oito anos. Sim, parece com quarenta, quarenta e cinco, por aí. A dor lancinante a deixou cansada pensa Edson, que não se importa com isso.

Priscila está sob uma sedação leve. Murmura algumas palavras e recebe, muito mansa, o carinho de Edson nos seus cabelos pinçados com alguns grisalhos. Enquanto os acaricia, ele pensa: não deu para passar no salão pra retocar, logo ela, tão vaidosa.

No dia seguinte, na hora das visitas, ele volta. Ela está melhor, mas continua fazendo exames porque os médicos ainda investigam as causas da dor abdominal que vai e volta.

Para Edson, esse acesso fácil a Pri, ali, estirada na cama do hospital, presa ao soro, é um presente. Mas não deixa de notar. Hoje ela parece uma mulher na casa dos cinquenta e cinco anos. Como está envelhecida em pouco tempo! Além da mãe, tem mais uma tia no quarto, mas ninguém comenta.

Volta todos os dias ao hospital. Na quinta visita, diante de uma Pri aparentando uns setenta anos, Edson indaga ao médico de plantão:

Doutor, estou achando ela um pouco abatida – A palavra seria “envelhecida”, mas ele a evita.

Ah, sim, claro, o paciente internado depois de dias fica mais abatido mesmo.

A explicação é vaga e Edson teima.

Mas com cabelo branco, a pele enrugada? Parece que tem uns….

É, meu amigo, doença maltrata…. Mas ela está bem, fica só mais alguns dias, por enquanto não vai precisar operar, o tratamento continua em casa, com antibiótico.

Quis insistir, mas alguém interrompe o médico, que sai sem se despedir. Médico é assim mesmo.

A obsessão de Edson muda de foco. Ele agora pensa sem cessar porque Priscila está assim, parecendo uma velha.

Quando volta, na próxima visita, a mãe de Priscila o recebe com um sorriso de absoluta normalidade.

Finalmente amanhã nossa doentinha vai pra casa. Bom, agora que você está com ela vou tomar um cafezinho, na cantina tem um pão de queijo uma delícia, não comi quase nada hoje.

Pri também ri, com dentes amarelos. A pele em volta da boca enruga-se no esforço do riso. Edson se aproxima e fixa os olhos da amada, que tem agora os arcos senis dos velhos. O cabelo branco tem as pontas ressecadas. Pri está uma anciã típica, daquelas que assistem o passar dos anos sem interferir em nada.

Ela pede ajuda para levantar, quer esticar as pernas. Edson a sustenta pelos braços finos e cheios de sardas brancas deixadas pelo sol de uma vida. As mãos descarnadas e com veias escuras à mostra seguram o braço dele como garras.

Ao passar diante do espelho ela murmura em uma voz rouca, gasta pelo tempo.

Nossa, tô acabada. Olha essas olheiras….

Daqui a pouco você tá em forma de novo – Edson a consola, num tom abafado e sem convicção.

Em ato instintivo se olha também ele no espelho. Não se reconhece de imediato. Ali tem um velho com a idade mais ou menos igual a de Priscila: uns oitenta e oito anos.

Vislumbra a pele sem viço que parece ter descambado em bochechas que lembram a de um cachorro triste. O rosto está quase todo pincelado de manchas senis, bejes e marrons, algumas pintas pretas maiores e sólidas. As pálpebras, genética ruim de família, estão quase cobrindo os olhos. Os cabelos ainda restam, mas estão finos e cheios de falhas, das quais desponta um crânio rosado. Embaixo da boca tem muita pele mole que se sobrepõe em camadas. O olhar é opaco, como se a vida tivesse passado em vão.

Atônito com aquele que se apresenta no espelho, Edson tenta negar a realidade. Levanta a mão à altura da testa, a imagem corresponde em tempo real. Ainda assim olha ao redor para ver se é o reflexo de um enfermeiro ou um médico que entrou de repente.

Mas ali estão só ele e a velha, que continua a andar pelo quarto com seu traje verde-claro de hospital, repetindo alguma coisa que ele não entende, pela dicção confusa da demência.

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