Você tem apego aos seus livros? Conheça a minha história trágica

Você tem apego aos seus livros? - Conheça a minha história trágica

Um livro na prateleira tem conteúdo morto. A frase é do escritor angolano Santareno Augusto Miranda, que disse também que um livro ganha vida na mão das pessoas.

Ao mesmo tempo que concordo com ele, admito que sou uma leitora (hoje menos) apegada aos livros que tenho. Por exemplo, não gosto de emprestar, talvez porque os livros já voltaram em estado lastimável. As vezes a pessoa nem lê, pega emprestado e o deixa ali, esquecido. Prefiro presentear.

Agora lhes conto uma pequena passagem real (e traumática) ligada a essa história de apego aos livros.

A tendência de quem gosta muito de ler é ir montando sua biblioteca aos poucos, porque, afinal, livro custa. Comigo não foi diferente. Chegou um certo ponto que tinha uma estante não muito grande, mas muito valorosa em títulos diversos. Ocorre que chegou a hora de uma mudança radical, não de uma cidade para outra, mas de país.

O apartamento que eu vivia devia ser desocupado porque já tinha um novo morador esperando para entrar. Então, vendi tudo o que foi possível, fiz doações e presentes generosos.

Mas com os livros foi diferente. Não pensei em vendê-los para um Sebo, talvez tivesse sido melhor. Tentei deixar com o meu filho, mas ele também iria se mudar em breve, não dava. Tentei amigos, mas… alegava-se falta de espaço, outros sequer respondiam e eu não insistia porque, de fato, era uma quantidade razoável, algumas caixas que ali ficariam por tempo indeterminado.

Alguma solução eu teria que encontrar

Consegui, finalmente, desocupar o imóvel. Mas sobrou uma bela mesa de madeira, um sofá, cadeiras. Decidi doar a uma instituição, cujo trabalho sério eu conhecia.

Como tinha que resolver mil coisas fora e não poderia ficar ali, de plantão, esperando que recolhessem tudo, organizei tudo na garagem e deixei a incumbência com a síndica do prédio, que raramento saía (o prédio de três andares e não tinha porteiro).

Recomendei mais de uma vez: Devem levar tudo, menos as caixas com os livros (devidamente identificadas). Pois bem. A síndica, que nunca saia, teve um imprevisto e passou a tarefa para uma outra senhora, aposentada, que morava no primeiro andar. Ela só teria que abrir a garagem com o controle remoto para o caminhãozinho entrar e fazer a limpa. Mas a síndica esqueceu do detalhe: menos as caixas com livros. Quando chego da rua, confiro na garagem, completamente vazia. A senhora do primeiro andar aparece e me diz, bem felizinha.

Já vieram e levaram tudo!

Tudo? E as caixas de livros? – Pergunto, intuindo o pior.

Não sei, levaram tudo.

Meu Deus! Fiquei fora de mim.

Não adiantou ficar nervosa com o Bud

Expliquei a ela o equívoco, do qual ela não tinha a menor culpa.

A senhora tinha um yorkshire chamado Bud, que sentiu o clima de nervosismo e começou a latir e a me atacar. Eu ali, com a mente confusa e o bichinho com os olhinhos bem pretos, aqueles dentinhos afiados, latindo seu latidinho chato a um ponto que eu não conseguia raciocinar.

Gritei com o pobre:

Cala a boca, cachorro!

A dona se ofendeu, e eu me dei conta que não tinha sequer agradecido a ela o favor terceirizado.

Me disse, calmamente:

Não adianta você ficar nervosa com o Bud. Por que não liga lá e pede para devolver?

Agradeci, me desculpei mais de uma vez, e corri para ligar na instituição.

Uma mocinha me atende e diz que as caixas com doação de livros já deveriam estar num certo depósito. Passariam por uma triagem, limpeza (meus livros eram tao limpinhos!), e depois seriam colocados à venda. Se eu quisesse, que fosse até la identificar os meus livros e levar de volta. Me antecipou que o depósito era enorme, e que os livros ficavam misturados.

Quem já mudou de país, sabe. Praticamente, é fechar uma encarnação para começar outra. A instituição ficava a uma hora e meia, fora da cidade. Eu já tinha vendido o carro. A data de viagem estava próxima.

Ahh! Pensei – é loucura, vou deixar pra lá.

Gente, eram livros com dedicatória, livros da minha vida de estudante, comprados com suor, livros bons, romances valorosos.

Até hoje quando lembro me sinto frustrada, com saudades dos livros, o coração apertado.

Conclusão: Sim, tenho apego aos livros.

Recomecei a comprar. Agora numa velocidade maior, ansiosa por ver livros na minha nova estante, na Itália. Trago muita coisa quando vou ao Brasil e também encomendo em livrarias de Portugal, que me manda pelos Correios. Leio todos!

Tenho novamente ótimos títulos, uma biblioteca pequena, mas de grande e estimado valor, com Saramago, Eça de Queiroz, Machado de Assis e muitos outros autores que adoro.

Pesquisando, vi que em Lisboa existem várias livrarias de livros usados, chamados Alfarrabistas, que trocam e compram livros. Estou pensando vivamente em ir trocando, deixando alguns lá e pegando outros, assim dinamizo a leitura e deixo a disposição livros novos que podem ser comprados e lidos por estudantes e pessoas que não podem gastar muito.

O que não quero é ir acumulando na estante. Isso, definitivamente, não. A menos que seja algum com dedicatória, pois nesse caso tem uma mensagem endereçada e vale a pena manter.

Penso que esta pode ser uma boa solução para fazer os livros baterem perna por aí.

E você, como lida com sua biblioteca em casa? Costuma emprestar? Vai acumulando? Ou é um leitor desapegado?

Texto: June Meireles

Foto: Gerd Altmann por Pisabay

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