A correria do garçom
Praia em Salvador é como baiana de acarajé. São muitas, mas somente algumas valem a pena.
Estávamos hospedados na casa do meu filho, na Praia de Armação, bem perto da Boca do Rio. Ali tem uma orla espaçosa, ótima para correr, caminhar, estar ao ar livre. Mas a praia, pelo menos para mim, não vale a pena. Mar agitado, ondas nervosas que eu desteto por um motivo prático – não sei nadar.
Mesmo assim, com aquele calor de verão eterno, decidimos passar algumas horas na praia, assistir ao pôr do sol, quem sabe. Era por volta das quatro da tarde.
Cadeiras alugadas, um sombreiro, brisa, nada de banho, mas tava agradável. As cadeiras foram pagas na hora, antecipado. O jovem que alugou as cadeiras emendou o serviço com a oferta de uma bebida, alguma porção…Simpático, sorridente, sim, vamos tomar uma cerveja.
Assim que trouxe a cerveja, ele me estendeu o menu. Um cardápio suado, rodado e cheio de manchas, mal se lia o que tinha ali elencado.
Meu marido, italiano, achando tudo lindo e engraçado. Eu, bem menos. O carinha era tão prestativo, que pensamos: vamos pedir alguma coisa pra comer, assim ele fatura um pouco mais. Até hoje não sei onde estava com a cabeça, em geral sou muito rigorosa com a assim denominada, comida de rua.
Optamos por uma porção de bolinho de bacalhau. Passa meia hora, uma hora, quase uma hora e meia. O rapaz, se via de relance, correndo daqui pra lá para atender outros clientes.
Até que perguntei:
– Ei moço, o bolinho tá pronto?
Ele pensa por uns segundos, e responde.
– O bolinho? De queijo, néh?
– Não, de bacalhau.
– Ah, sim, de bacalhau, desculpa… Tá fritando – me responde com pressa.
Tive a impressão que ele tinha esquecido.
Olhei de longe para ver onde estariam fritando a iguaria. Vi uma espécie de barraca de acampamento, improvisada, pequena e mal ajambrada encostada na mureta.
Misericórdia – pensei – já arrependida de ter feito o pedido, mas deixei rolar. Passa-se mais uns vinte minutos, ou mais, e chega a porção. Ele se desculpa pela demora, tinha muitos pedidos…
Horríveis, os tais bolinhos. Via-se que aquele óleo já tinha sido usado algumas centenas de vezes. O bolinho também era estranho, formato de uma bolinha, meio queimado e frio. Pela demora, pode ser que alguém foi comprar fora esse bendito bolinho? De que buraco saiu esse negocio?
De novo. Até hoje não sei como comemos um ou dois daqueles bolinhos. São essas coisas misteriosas da vida que fazemos e não sabemos exatamente porque (talvez por um desejo inconsciente de ir parar no hospital por uma infecção intestinal, vermes, vai saber).
A tarde declina e com a praia já bastante vazia, era hora de pagar a conta e ir embora. O rapaz, sumido. Desistimos de esperar, nos aproximamos da barraca improvisada e ele dali saiu. Vi um fogareiro desses de duas bocas no chão, no meio de uma confusão, um monte de tralha.
Os bolinhos teriam sido fritos ali? Na melhor das hipóteses, sim.
Pedimos a conta. Duas cervejas e os tais bolinhos. Ele pega um pedaço bem pequeno de papel, uma caneta bip e começa a fazer uma conta, acrescentando muitos zeros. Uma anotação riscada, confusa e atrapalhada. Mas que, no total, dava 120 reais.
As duas cervejas, na época, não passavam de 12 reais, cada, o bolinho, 20 reais. As cadeiras estavam pagas. Total: menos de 50 reais.
– Onde você achou esse valor? – perguntei.
– Um chorinho pela correria do garçom.
Ou seja, a gorjeta era maior que a conta!
Meu marido sorria, achando a malandragem divertida.
– E quanto correu esse garçom? – perguntou.
Pegou calmamente o tal papelzinho ensebado, e disse a ele. Olha aqui, te dou 60 reais, tá bom, né?
Ele pegou o dinheiro sem protestar e se meteu de novo na barraca, talvez fosse o momento da contabilidade. E nós saímos dali com uma história que, volta e meia, diverte os amigos italianos, que adoram saber as coisas exóticas que se passam nos trópicos.
Texto: June Meireles
Foto: Pixbay
Amei o texto e é exatamente isso. 😂😆Realmente ir na praia de Salvador tem esses perrengues.
Geralmente quando o garçom é bem simpático e prestativo acabamos nos deixando levar pela emoção e fazemos esses pedidos que na hora era só apreciar o pôr do sol ☀️ e tomar uma cervejinha gelada. Mas pelo fato da correria do garçom ou garçonete nos apegamos a esse pequeno detalhe prestativo e simpático (a)… 😁
Mas o golpe vem depois, me lembrei da praia do porto da barra no meu caso foi com os mini acarajés… Só resenha viu mas tá valendo
Mas é isso que encanta os visitantes principalmente os Europeus. É divertido faz parte daquele momento e férias acontece de tudo.
Obrigada pela experiência e por compartilhar com nós.
No aguardo de próximas aventuras 😊
Cara J. Ferreira, acho que todo mundo tem uma historia dessas pra contar. Legal seu longo comentario, obrigada!