A paixão de mademoiselle S. – Uma bomba erótica ou apenas uma mulher que ama demais?

A paixão de mademoiselle S.

- Uma bomba erótica ou apenas uma mulher que ama demais?

Até agora não sei porque comprei esse livro, provavelmente porque a sinopse fazia menção à Paris dos anos 1920. Adoro ler coisas da velha França, tanto que devorei praticamente todos os livros de Émile Zola.

Já este é um livro curioso sob vários pontos de vista. Pra começar, não é obra de um escritor, mas uma rica coleção de cartas de uma jovem francesa que assina apenas como Simone.

Não são cartas de ficção, inventadas. São verdadeiras e foram encontradas, casualmente, quase um século depois de escritas, no sótão de uma casa, pelo diplomata francês Jean-Yves Berthault. Estavam em uma antiga sacola de couro com iniciais gravadas em prateado. O teor era tão expressivo que se decidiu por publicar, colocando a intimidade de duas pessoas à luz do mundo.

Se você tem pudores, esse livro não é pra você

Trata-se de um conteúdo de cunho altamente sexual, contido em cartas enviadas por Simone ao seu amante, Charles, um homem casado com quem ela tem um caso por cerca de um ano.

As cartas – apenas de Simone, da parte de Charles não tem nada – me fizeram pensar o que é erótico, obsceno ou pornográfico. Corri ao dicionário.

Erótico é o que provoca desejo sexual. Obsceno é definido como algo sem moral, grosseiro e vulgar. E pornográfico, que descreve luxúria ou libidinagem.

A obra, descrita na contracapa como “surpreendente relato verídico de luxúria na Paris dos anos 1920”, pode ser obscena, pornográfica ou erótica, dependendo dos valores morais de cada um. Para mim, vejo a linguagem direta (alguns podem dizer, chula), apenas como uma descrição muito detalhada do que pode viver um homem e uma mulher entre quatro paredes. No entanto, este não é o aspecto principal.

Simone é uma mulher que ama demais

A orelha do livro descreve Simone como uma mulher transgressora, audaz, moderna e avançada mesmo para os dias de hoje – imagine nos anos 1920.

Ela, sem dúvida, transgride quando se permite viver o sexo plenamente, sem preconceitos impostos. Porém, a minha impressão é que toda essa liberalidade está a serviço de uma mulher que ama demais.

O termo mulheres que amam demais foi cunhado pela psicoterapeuta americana, Robin Norwood, ao lançar um livro com o mesmo título, em 1985. A obra, em alta até hoje, virou best-seller e é considerado um divisor de águas. Desde o seu lançamento, o tema vem sendo amplamente debatido em outros livros, teses, debates.

Segundo a autora, as mulheres que amam demais, em geral, não receberam atenção/amor quando crianças e, para suprir essa falta, se entregam em amores exageradamente românticos ou doadores de sua energia. O subconsciente atrai para elas homens complicados, os quais elas julgam carentes, e a quem dão uma carga sem limites de afeto e atenção.

Fazemos aqui uma ressalva: tal não acontece apenas em relações heterossexuais como também entre pessoas do mesmo sexo. Vi de perto casais LGBT que vivem este tipo de relação.

O ponto central desse comportamento é um medo atroz da pessoa em ser abandonada (como talvez tenha sido na infância). Por conta disso, fazem de tudo e mais um pouco para evitar o término da relação.

Com autoestima baixa, elas também arcam com responsabilidade de falhas e erros do relacionamento. Com relação ao sexo, se esforçam muito para dar prazer máximo ao seu partner – e isso faz parte do pacote de temor do abandono. Se ele gostar muito de mim na cama, dificilmente vai me deixar.

Diz Simone:

Você é o meu senhor, meu pequeno Deus querido ao qual não consigo resistir. Se te agrada machucar loucamente minha bunda que você adora, pegue o chicote e bata, bata ate sangrar. Sei que espera essa hora há muito tempo, sempre a desejou.

Charles, ah, Charles

A julgar pelas cartas, Charles parece muito interessado em viver esta tórrida aventura secreta com Simone. Mas percebe-se que o interesse vem muito mais dela, que se empenha em organizar os encontros e satisfazer com ele todas as fantasias sexuais possíveis. Ela, de fato, é uma mulher fogosa, impudica e sexy. Aberta a fantasias, sem frescuras, bem resolvida nesse quesito. Mas, também fica claro que, acima de tudo, está o soberano prazer de Charles.

Ah, te amo, meu querido tesouro. Te amo cada vez mais. Quero ficar com você pra sempre. Ah, tenho tanto medo de te perder que gostaria de ser o próprio vício para te ligar a mim definitivamente.

Prazer este que não encontra limites, seja na dor do sadismo (sim, só Simone recebe chibatadas), seja nas formas mais convencionais do amor carnal, tudo com muita concentração e intensidade.

Mas a energia sexual (como qualquer energia) diminui e esgota. Quando isso começa discretamente a acontecer, Simone (de novo ela a correr atrás), inicia a propor a Charles a inversão de papéis, fazendo ela o papel de macho, ele o da mulher. A fantasia inclui chamá-lo no feminino, de Lotte. Existem várias cartas nas quais ela se refere assim a ele.

Ele vai aceitando a brincadeira e parece gostar do jogo erótico. Mas Simone, sempre mal amparada na ideia inconsciente do abandono, vai mais longe. Antevendo que também aquela brincadeira possa perder a graça, ela começa a propor que um homem em carne e osso participe dos encontros, de modo que Charles seja possuído por um macho.

Não é uma proposta de sexo a três, simplesmente, mas a tentativa de oferecer a ele novidades, como a uma criança que deve ser constantemente estimulada com novos brinquedos. Mulher que ama demais faz dessas.

Eu disse ontem que tínhamos encontrado o parceiro para nos ajudar a realizar nossos desejos supremos e me pergunto se consegui te satisfazer. Tive a vaga mas dolorosa impressão de que alguma coisa se rebelava em você com a ideia de que eu pudesse ter chegado a esse ponto, pudesse ter pedido a esse homem para se juntar a nós. Pergunto-me, Charles querido, se não está zangado comigo por tamanha audácia, e estou muito triste ao pensar que posso ter te desagradado.

Cartas são um mistério

O livro é envolto em mistério porque não se descobriu até hoje quem foi Simone, muito menos seu amante, que não deixou rastros. As últimas cartas de Simone mostram que todos os seus esforços foram em vão e Charles desaparece abruptamente da sua vida – deixando um vazio e uma dor de cortar o coração (alguns trechos das ultimas cartas estão ilegíveis pelas lágrimas de Simone).

E me rendi a evidencia, ao ver sua pressa em me deixar: nem um nem outro temos mais que nos enganar. Nosso amor tem uma rachadura. Qual de nós a causou? Jamais saberemos, mas pouco importa.

…Em nome de tudo o que houve entre nós, em lembrança de nossos belos minutos, eu te conjuro a me dizer em que ponto estamos…

O diplomata que descobriu o livro, e penso que seja o responsável pela sua publicação, diz no posfácio que “ eu teria vontade de consolá-la, de pegá-la nos braços e lhe dizer que seu jovem amante não valia tanto tormento, e que todo sofrimento de amor é insignificante, por pouco que o contemplemos com o recuo do tempo”.

No Brasil A Paixão de mademoiselle S. foi editada pela Companhia das Letras, com tradução de Rosa Freire D’aguiar e está disponível para compra na internet. Se te interessa, se jogue, leia, depois comenta aqui.

Já se quiser ler o livro Mulheres que amam demais, acesse o link abaixo e leia gratuitamente.

https://lotuspsicanalise.com.br/biblioteca/Mulheres-Que-Amam-Demais-Robin-Norwood.pdf

Ate a próxima!

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